Novas regras para a regularização fundiária e parcelamento de glebas

Publicado em 21 de outubro de 2018

Tema bastante discutido nos últimos anos entre os estudiosos, profissionais e políticos envolvidos com a ocupação de espaços urbanos, a regularização fundiária, que tem como objetivo  disciplinar o registro dos imóveis urbanos, ganhou no último ano um novo e extenso capítulo, com a edição da Lei nº 13.465, de julho de 2017, que substituiu integralmente a legislação básica da regularização fundiária então vigente.

Segundo a maioria dos estudiosos do assunto, a nova legislação flexibiliza a regularização de imóveis ocupados de forma irregular, beneficiando milhões que poderão receber o direito de propriedade sobre os terrenos que ocupam, possibilitando a obtenção de empréstimos bancários para investimentos no imóvel próprio ou em pequenos negócios.

Já uma parcela dos que criticam o novo ordenamento alega que a lei acaba com a política de regularização implantada a partir de 2009, desrespeitando a ordem urbanística e a preservação do meio ambiente, bem como dispensa a responsabilidade do Poder Público de prover a infraestrutura de ocupações precárias.

Neste sentido, cabe uma breve digressão histórica. Até a década de 1980, prevaleceu a política de remoção de favelas, que, no entanto, foi substituída nesta data por uma política objetivando promover a urbanização dos assentamentos, mantendo a população nos bairros em que se encontram, porém melhorando progressivamente a infraestrutura. Ocorre que a incapacidade desta política de resolver a questão trouxe ao destaque uma ênfase da dimensão jurídica desta política, voltada para a titulação dos moradores. Com isso, recentemente a denominação “urbanização das favelas” tem sido substituída pela “regularização fundiária dos assentamentos informais”, abrangendo não apenas as favelas, decorrentes de ocupações espontâneas, mas também os loteamentos clandestinos e irregulares, originados pela ação ilegal de proprietários ou grileiros.

Sem adentrar na polêmica instaurada, que inclusive é tema da Ação Direta Inconstitucionalidade ADI 5.883, no STF (Supremo Tribunal Federal), o fato é que esta legislação inova no ordenamento jurídico, sobretudo pela criação do direito real de uso e de laje, da legitimação de posse, que favorece o reconhecimento administrativo da usucapião, e da criação do condomínio de lotes e condomínio urbano simples.

A primeira destas inovações, referente ao direito real de uso e ao direito de laje, visa permitir que mais de uma unidade seja reconhecida em uma mesma área ou até mesmo em um mesmo imóvel.

Com isso, é possível que em uma edificação simples, que não se enquadrava como um condomínio edilício na antiga legislação, um indivíduo seja proprietário do primeiro pavimento, por exemplo, enquanto outra pessoa seja proprietária do segundo pavimento, que compõe a laje de cobertura do primeiro pavimento. Todos eles com a sua respectiva matrícula independente, devidamente registrada, sem necessidade de criação de uma incorporação imobiliária ou da instituição de condomínio.

Para tanto, a lei exige apenas que a legislação urbanística da cidade e o projeto do imóvel permitam esse tipo de construção, e que se constate a impossibilidade de individualização de lotes. Por outro lado, a lei ainda regula que cada morador deve participar para a manutenção das áreas e equipamentos comuns, como estrutura, telhado, instalações gerais, entre outras.

Com o instituto da legitimação de posse, a lei amplia e facilita o reconhecimento da usucapião administrativa ao prever que para fins exclusivos de regularização fundiária, poderá o Poder Público conferir título, por meio do qual fica reconhecida a posse de imóvel objeto da REURB, o qual poderá ser convertido automaticamente em direito real de propriedade após decorrido o prazo de cinco anos de seu registro, desde que atendidos os termos e as condições previstas no art. 183 da Constituição Federal.

Quanto às novas regras para condomínio de terrenos a nova lei ratifica uma prática comum, qual seja, a instituição de condomínio de lotes, permitindo que o lote seja constituído sob a forma de imóvel autônomo ou de unidade imobiliária integrante de condomínio de lotes. Estabelece ainda que a fração ideal de cada condômino poderá ser proporcional à área do solo de cada unidade autônoma, ao respectivo potencial construtivo ou a outros critérios indicados no ato de instituição,  estabelecendo ainda que nos loteamentos de acesso controlado, conhecidos como “condomínios fechados”, o controle de acesso será regulamentado por ato do Poder Público Municipal, sendo vedado o impedimento de acesso a pedestres ou a condutores de veículos, não residentes, devidamente identificados ou cadastrados.

Por fim, a lei prevê ainda que poderá ser instituída figura do condomínio urbano simples, quando um mesmo imóvel contiver construções de casas ou cômodos, desde que respeitados os parâmetros urbanísticos locais, e sejam discriminados na matrícula a parte do terreno ocupada pelas edificações, as partes de utilização exclusivas e as áreas que constituem passagem para as vias públicas ou para as unidades entre si.

Além das inovações destacadas, outros dispositivos foram introduzidos na nova legislação, todos tendo como objetivo a flexibilização da regularização fundiária, tanto urbana quanto rural, conferindo relativa estabilidade jurídica a situações consolidadas. Como resultado, podemos concluir que o legislador adotou o caminho de convalidar uma situação de fato que, embora eivada de erros, tornava insolúvel a solução pelos canais até então existentes, empenhando-se em adequar e aceitar as situações complexas que traziam grande intranquilidade aos gestores e às comunidades urbanas no país.

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