Conflitos dos aplicativos de hospedagem

Publicado em 02 de junho de 2019

A utilização de plataformas digitais para locação de imóveis é uma prática que se consolida a cada dia, seguindo uma tendência que se alastra para todos os setores da economia, mas que encontra resistência nos casos de locação para curtas temporadas, cujo entendimento ainda não se encontra pacificado, em mais um caso de patente descompasso entre a legislação e os avanços da era digital.

Segundo os defensores desta modalidade de contratação, a locação por curtas temporadas, desde que não exceda 90 dias, se enquadra no conceito de locação por temporada, direito do proprietário expressamente previsto na Lei 8.245/91 (Lei do Inquilinato).

Por outro lado, os condôminos contrários a esta modalidade se apoiam no artigo 3º do Decreto 84.910/1980, que designa como serviços de hospedagem a locação de imóvel por diárias, o que exigiria registro da atividade na Empresa Brasileira de Turismo (Embratur), o que inviabilizaria esta prática.

Alegam, ainda, que a alta rotatividade dos inquilinos reduz a segurança dos usuários do condomínio, além de demandar uma ampliação da infraestrutura de serviços da edificação, aumentando os custos de manutenção em proporção incompatível à uma edificação residencial, culminando em violação aos artigos 1.277 e 1.366 do Código Civil, que disciplina a interrupção de práticas que afetem a segurança, o sossego e a saúde dos demais condôminos.

Nesse sentido, embora arquivada ao final da última legislatura, tramitou no Senado Federal o Projeto de Lei nº 748/15, que propõe alterar a Lei do Inquilinato, disciplinando a atividade de locação de imóveis residenciais por intermédio de plataformas de intermediação de negócios, atualizando o regime de locação por temporada, que inegavelmente vem sofrendo modificações com os avanços da era digital.

No entanto, ainda que aprovado, o texto incialmente proposto provavelmente não será apto para resolver a questão, deslocando a discussão quanto à autonomia da assembleia geral de condôminos para autorizar ou não a atividade, a despeito de eventual autorização legislativa, porque, segundo levantamento da Associação das Administradoras de Bens Imóveis e Condomínios de São Paulo (AABIC), dos 47% dos condomínios que já deliberaram o tema em assembleia, em 64% deles a locação de curta temporada por meio de plataformas digitais foi rejeitada.

Cabe ressaltar que, para que as decisões tomadas em assembleia tenham eficácia, na hipótese de contestação judicial, as deliberações devem ter a princípio aprovação da maioria absoluta dos condôminos, ou seja, metade mais um, mas, neste caso, para evitar discussões quanto ao quórum,  o ideal é que a aprovação seja por dois terços dos proprietários, que é o mínimo necessário para modificação de regras da convenção condominial.)

Quanto às inovações tecnológicas na prestação de serviços, diante da ausência de regulamentação, o Judiciário tem sido provocado a se manifestar sobre a possibilidade destas locações, porém ainda com decisões oscilantes, inexistindo até o momento uma orientação jurisprudencial sobre o assunto. Entretanto, recente decisão do STF, no início de maio, que julgou inconstitucional lei municipal que proíbe transporte por aplicativos, liberando o uso dos aplicativos, indica que a Corte Suprema do país está alinhada com os avanços da era digital, o que pode ser um alento para os defensores da modalidade.

De toda forma, o país ainda está distante da pacificação destas disputas, que provavelmente apenas se resolverão com regras claras para regulamentação pelo Congresso da relação entre locadores, locatários e condomínios, enquanto isso, a esperança recai sobre as manifestações dos tribunais, de modo a orientar os conflitos, ainda que em casos pontuais, ou por meio do chamado repetitivo, o que consolidaria uma posição sobre o tema.

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