Todos aqueles que já adquiriram imóveis na planta ou em construção já se depararam com uma cláusula contratual que prevê uma dilatação do prazo de entrega das unidades em até 180 dias, sem qualquer tipo de multa ou ônus para a construtora ou incorporadora, o que se denominou no mercado como “cláusula de tolerância”, por permitir à Construtora postergar a conclusão do empreendimento sem oferecer qualquer contrapartida ao comprador ou mesmo sofrer nenhum tipo de sanção.
Com o incremento dos negócios imobiliários verificado nos últimos anos, e consequente registro de ocorrência da utilização desse mecanismo, o assunto desaguou no Judiciário, onde duas correntes se enfrentam, uma representando os consumidores, insatisfeitos com o fato do não cumprimento dos prazos inicialmente previstos, o que causa toda sorte de transtornos e prejuízos, e outra em defesa das construtoras/incorporadoras, que justificam sua adoção em função do caráter não serial, e até mesmo artesanal, que caracteriza a construção, decorrente dos inevitáveis entraves que orbitam as obras, que fogem à esfera regular do empreendedor, pois decorrem de fatores externos.
A corrente consumerista, que defende os compradores de imóveis, se baseia primordialmente em dois fatores que levariam à igualdade dessa cláusula, o primeiro deles baseado em um desiquilíbrio contratual, pois haveria uma desproporcionalidade entre as obrigações do comprador e do vendedor, uma vez que um é punido, com multa e juros, quando atrasa as parcelas, ainda que tenha motivo justificado, além de se sujeitar à rescisão contratual, caso atrase mais de três parcelas. O segundo fator seria a ausência de clareza dessa cláusula inserida no contrato, que não viria explícita, não recebendo o devido destaque, o que obriga atenção redobrada do comprador, além de que deixaria em suspense o real prazo em que se finalizaria o empreendimento.
A corrente empresarial, do lado dos vendedores, ou seja construtoras e incorporadoras busca rebater esses argumentos, primeiramente contra a tese de que, para que haja isonomia contratual a mesma pena prevista para o comprador inadimplente, que atrasa suas prestações, deveria ser imposta ao construtor/incorporador que atrase a entrega das unidades, alegando que existe uma disparidade na natureza das obrigações de cada uma das partes, não sendo admissível aplicar ao vendedor a mesma penalidade que se aplica ao comprador inadimplente, até porque estas se aplicam somente às parcelas em atraso, enquanto a outra incidiria sobre a totalidade do valor da obra, o que se mostra desproporcional.
Além disso, alega-se que notoriamente os empreendimentos imobiliários compreendem grande complexidade, sendo impossível prever exatamente todas as adversidades que poderão ocorrer no curso da obra, decorrentes de fatos alheios à vontade do construtor, tais como a burocracia fiscal e tributária, dependência de atos administrativos originários do setor público, escassez de mão de obra, fluxo de matérias primas e variação climática, o que justifica a dilatação do prazo calculado no cronograma físico, decorrente da imprevisibilidade desses acontecimentos.
No que tange ao trato jurisprudencial da matéria, nossos tribunais tendem a aceitar a referida cláusula, que somente é considerada abusiva quando não é fixado um prazo de entrega ou se extrapola o período razoável de 180 dias, conforme recente decisão do Tribunal de Justiça de São Paulo, que decidiu que “a cláusula de tolerância da entrega da obra que fixa o prazo de 180 dias não é nula, já que está redigida de forma clara e permite ao contratante ter conhecimento prévio sobre sua incidência. Não se permite, porém, o extravasamento deste período, dada a impossibilidade de se fixar cláusula aleatória.”
Não obstante, é importante ressalvar que decisões como esta não isentam as construtoras/incorporadoras no cumprimento de suas obrigações com relação ao prazo, portanto, se constatada a ultrapassagem do prazo de tolerância de 180 dias, estas deverão responder por perdas e danos, conforme previsto no art. 475 do Código Civil, que abrange danos morais e materiais, em função das provas produzidas em juízo.
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