Dentre os adquirentes de unidades autônomas em edifícios lançados por incorporação, os dois principais tipos são aqueles que compram para uso próprio, seja este comercial ou residencial, e os investidores, que adquirem os imóveis como investimento, visando auferir lucro com uma venda futura ou a remuneração por aluguéis.
De acordo com estudos realizados por consultorias internacionais, entre 2008 e 2011 a valorização imobiliária anual no Brasil ficou acima dos 20%, taxa superior aos principais fundos de investimento de renda fixa. Por esta razão, a compra de um imóvel foi considerada por muitos como um investimento atraente, tanto para quem procurava uma nova residência, quanto para aqueles que almejavam investir na compra dos imóveis como investimento, o que aquecia ainda mais o setor.
No entanto, com a piora no cenário econômico do país, todo o setor foi afetado com a crise econômica, especialmente o segmento das incorporações imobiliárias, que tem sofrido nos últimos anos com o excesso no estoque e a redução da disponibilidade de financiamentos, cuja consequência é a redução dos preços das unidades imobiliárias disponíveis, resultando em um expressivo aumento no número de unidades “devolvidas” pelos adquirentes, os chamados distratos.
Segundo executivos das incorporadoras, as principais causas de distratos originam-se dos especuladores, que decidem rescindir a compra ao saber que unidades de prédios próximos estão sendo vendidas com descontos, porém os efeitos da crise econômica que assola o país são inegáveis e, com isso, verifica-se que outra parte das rescisões está relacionada ao aumento do desemprego, uma vez que consumidores tiveram sua renda comprometida, não conseguindo mais arcar com os compromissos assumidos nos últimos anos.
Isto tem sido constatado nos levantamentos efetuados pelas empresas, onde se verifica que as rescisões têm ocorrido, principalmente, em unidades para renda média e alta, comprovado pelo indicador Abrainc-Fipe, demonstrando que nos padrões médio e alto a relação entre distratos e vendas foi de 51%, ante 24% nas unidades do Minha Casa, Minha Vida.
Ocorre que a devolução dessas unidades envolve um grande embate na sociedade nos dias de hoje, antagonizando interesses do incorporador e do adquirente, que traz este tema ao foco das discussões do setor imobiliário. Enquanto incorporadores defendem a estrutura econômica do negócio e a natureza dos contratos que o sustentam, alegando a necessidade de vinculação das receitas à realização da execução da obra, em razão do planejamento do fluxo de caixa das incorporações, os adquirentes sustentam o direito ao ressarcimento integral, alegando o enriquecimento sem causa do incorporador.
As incorporadoras se alicerçam na legislação que rege as incorporações imobiliárias, notadamente a Lei 4.591/64, posteriormente modernizada pela Lei 10.931/04, além do reforço trazido pelo novo Código de Processo Civil (CPC), que vincula as receitas da incorporação à execução da obra ao torná-las impenhoráveis, que tem o respaldo do renomado advogado Malhim Chalhub, ao afirmar que “em caso de inadimplemento da obrigação do adquirente, primeiro recompõe-se o fluxo financeiro da obra com recursos da venda do imóvel em leilão e depois se entrega o eventual saldo ao inadimplente.”
Em contrapartida, segundo jurisprudência do STJ, consolidada na súmula 543, tem sido estabelecida a devolução imediata dos valores pagos pelos consumidores, portanto, os tribunais pátrios têm decidido pela priorização do interesse individual do adquirente, alicerçados no direito do consumidor, em detrimento dos direitos da coletividade, independentemente dos efeitos que a restituição imediata possa causar ao desenvolvimento da incorporação.
Muitos têm sidos os esforços para regulamentar os distratos, conferindo maior segurança jurídica e previsibilidade ao planejamento das empresas, uma vez que, em razão da falta de regulamentação no cenário atual, as incorporadoras perderam, apenas em 2016, R$ 1,1 bilhão em razão dos distratos, por isso, o assunto se encontra em amplo debate e se estuda a edição de uma legislação que equilibre o entendimento jurisprudencial dominante nos dias de hoje, nitidamente pendente ao consumidor.
Diante de tudo isso, descortina-se a necessidade da definição de regras claras que harmonizem os interesses em jogo, porém, as regras estabelecidas devem observar as diferenças entre os adquirentes, assim como o segmento no qual ocorre o distrato, para que se evitem distorções na aplicação do regramento. Nesse sentido, os termos acordados devem observar o Código de Defesa do Consumidor, mas devem também analisar as condições coletivas de contratação e a preservação das empresas, pois ao final, este quadro poderá repercutir de forma negativa sobre os futuros compradores.
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