Papo amigo com CR

Foi num início de tarde, no Ritz Hotel, que o desembargador Ayrton Maia (78 anos) revelou para CR que em vez de curtir a aposentadoria está mais do que nunca na ativa. Consultor jurídico de uma empresa e atendendo convite do governador Aécio Neves, preside o Conselho de Ética do Estado, formado por mineiros de expressão como Raul Machado Horta e os ex-ministros Camillo Pena e Paulo Haddad. Juizforano, ele lembra que quando jovem, quase todos os domingos, ia ao Rio assistir jogo do Fluminense com a "turma da parte baixa da Marechal", onde nasceu e foi criado. A paixão pelo futebol o levou a ser jogador do Sport Club. Mais tarde, foi convocado para ser diretor e conselheiro do América e desde 1952 faz parte do Tribunal da Justiça Desportiva. Saudosista, Ayrton lembra que sem a ajuda do pai, o comerciante Francisco Maia, que foi diretor da Associação Comercial e presidente da Associação dos Varejistas - e do avó materno, Francisco Falci - figura expressiva na colônia italiana em Juiz de Fora, ele não teria seguido a carreira de juiz. A razão do viver é a família: os filhos Francisco Maia Neto, perito na área de avaliações e Cláudia Regina, juíza, a mulher Laura, que considera fantástica, e os quatro netos, Luís Felipe, Roberta, João Pedro e Vitor. A única atitude capaz de tirá-lo do sério é a deslealdade e não as críticas, recebidas com tranqüilidade vindas das partes vencidas, após suas decisões. Ele lembra que um dos pilares de sua vida é a religião que apoia tanto profissionalmente, guiando até decisões judiciais - ele pedia proteção à Santa Rita de Cássia para exercer a profissão com dignidade e sabedoria -, como na convivência familiar. A religiosidade se sedimentou depois que foi estudar na Academia de Comércio, onde recebeu uma cultura teológica e católica dos padres do Verbo Divino: "só a religião é capaz de dar o perdão, a esperança e, principalmente, o amor às pessoas". Para seguir seu caminho em paz, Ayrton se apoia em uma passagem do Antigo Testamento, com sábias disposições de Deus: "Não dê tudo aos seus filhos para que depois não tenhas que pedir". Freqüentador "impreterivelmente e invariavelmente" do Mercado Central, em Belo Horizonte, nas manhãs de sábado ele se encontra com os amigos para um papo.

CR - Porque a carreira de juiz?
Ayrton Maia -
A minha formação profissional se iniciou em um cartório. Ainda como estudante, trabalhei de escrevente juramentado. O contato com os juízes me fascinava de tal forma que, no dia em que formei, comecei a contar os dias para fazer o concurso. Naquela época era exigido um período de carência de quatro anos para ingressar na magistratura. Hoje, a lei orgânica define no mínimo três anos.

- O que acha dessa norma?
- A experiência mostrou que onde não se exigiu o período de estágio havia muitas pessoas que, apesar de preparadas intelectualmente, não tinham maturidade. Não é concebível que um rapaz saia da faculdade e, no dia seguinte, esteja proferindo sentença sem ter vivência que um juiz precisa para exercer a profissão com dignidade e experiência. Coisa que o jovem ainda não tem para decidir a vida e o patrimônio de alguém.

- Quando ingressou na magistratura?

- Cinco anos depois de formado, já com 30 anos. A idade ideal para que a pessoa comece a exercer a função de juiz. Comecei pelas cidades de Tombos, Eugenópolis e Muriaé. Em todas as fases, fui promovido por merecimento. Em 1968, parti para Belo Horizonte, no exercício da 2ª Vara Cível. Acabei sendo diretor do Fórum Lafaite, numa época em que a maioria dos juízes tinham a idade para ser meu pai. Fui escolhido pelo Tribunal de Justiça para participar do Tribunal Eleitoral como juiz da capital. Exerci a função por dois mandatos consecutivos e, no final, fui promovido para o Tribunal de Alçada, onde cheguei vice-presidência. Às vésperas de ser presidente fui promovido ao Tribunal de Justiça como desembargador. Depois, por quase dez anos, presidi a 3ª Câmara Cível. No Tribunal Eleitoral fui corregedor geral e presidente, iniciando a informatização das eleições e dos processos. Logo após, nomearam-me o primeiro vice-presidente do Tribunal de Justiça, cargo que fiquei até a hora de aposentar, em 1996, quando estava exercendo interinamente a presidência.

- E o convite do então governador Itamar Franco?
- Dois anos depois de aposentado fui convidado pelo meu amigo de infância, Itamar Franco, para exercer o cargo de auditor-geral do estado. Exerci a função do primeiro ao último dia do mandato dele.

- Tem algum caso interessante nessa trajetória vitoriosa da profissão?
- Tenho praticamente pronto um livro com histórias engraçadas e fatos pitorescos da minha juventude e da minha vivência como juiz eleitoral no interior. Conto casos da colônia italiana e da Rua Marechal, que era uma verdadeira babel em matéria de raças: sírios, libaneses, portugueses, italianos, japoneses, brasileiros, pretos, brancos, formando uma sociedade multirracial, que vivia muito bem. Hoje vejo como a sociedade mudou. As famílias à tarde colocavam as cadeiras na rua para uma confraternização permanente e a gente jogava bola e só parávamos quando o bonde passava. Faz quase 50 anos que saí de Juiz de Fora e até hoje quando venho passear encontro o pessoal da Marechal para almoçar, como Wilson Jabour, Valdemar Salimena, meu irmão Márcio Maia e outros.

- Como vê a reforma do Judiciário?
- Uma das coisas que mais me parece necessária no Brasil e infelizmente grande parte da magistratura não comunga é a súmula vinculante. Não é possível um juiz de primeiro grau se arvorar como revisor de decisões do Supremo Tribunal. O Supremo, como o próprio nome indica, é a suprema corte do País, que dita a Lei e a Constituição. Como é que uma pessoa de um nível infinitamente superior e hierárquicos pode se opor a isso. O juiz tem compromisso com a lei, com a jurisprudência e com as partes. Se uma decisão é unânime no Supremo Tribunal ou quando a súmula vinculante exige oito votos em onze do Supremo, acho até que seja uma pretensão muito grande, um juiz de primeiro grau achar que pode tomar essa decisão. Por isso sou francamente favorável.

- A impunidade gera violência?
- Em matéria penal eu sou um crítico feroz da atual legislação brasileira. Não é concebível que, tanto a lei de execução penal quanto a lei penal propriamente dita, sejam brandas e só atuem à favor do delinqüente. Não conheço nenhum dispositivo na lei que proteja a vítima, principalmente, no que compete às condenações. A função do Estado é proteger o cidadão e, só começará a proteger, colocando bandido na cadeia. O trabalho na penitenciária deveria ser obrigatório e uma série de privilégios que não se dá ao cidadão comum deveria acabar. O homem que ganha um salário e não tem os direitos que um delinqüente condenado no Brasil tem. O pior a legislação para menores em que o jovem de até 18 anos pode escolher o presidente da República, casar, mas não pode ser preso. Não existe país no mundo com uma legislação benigna e tão favorável ao criminoso como a nossa.

- O governo Lula está no caminho certo?
- O atual ministro da Justiça acha que as leis são rigorosas. Já eu penso que são brandas demais. Nesse aspecto, espero que o presidente Lula, por meio de sua posição de liderança incontestável que tem hoje no país, tente modificar pelo menos essa legislação penal que dá tanta vantagem ao criminoso e nenhuma à vítima.

- É otimista em relação ao Brasil?

- Sem dúvida. Em 1945, quando terminou a guerra, no Brasil só existia indústria de transformação e siderúrgica. Hoje o país é uma potência industrial e econômica. O que precisa é contornar a corrupção, fazer com que o poder dela diminua, mas extinguir é quase impossível. Senti esse otimismo no exercício do serviço de auditoria do estado e também no Conselho de Ética. São dois órgãos que tem quase que por finalidade combater a corrupção, para que possamos atingir a meta que todos nós, brasileiros, desejamos de ser um país rico, próspero e saudável.

Ping-Pong

- Sonho: ver minha filha desembargadora
- Um medo: inveja
- Uma coisa que não tolera: ingratidão
- Ídolo: Itamar Franco
- Ator: Tom Hanks
- Atriz: Julia Roberts
- Estilo musical: samba - sou um dos fundadores da Feliz Lembrança
- Superstição: não gosto de passar debaixo da escada
- Momento pessoal: o lançamento do livro de engenharia do meu filho - hoje ele é um nome nacional na especialidade - e o primeiro lugar da milha filha no concurso para juiz de Direito. .
- Momento profissional: quando fui nomeado desembargador
- Poeta: Castro Alves
- Cantor: Roberto Carlos e Jamelão
- Cantora: Dalva de Oliveira
- O que é permitido: tudo que a ética e o amor permite deve ser feito
- O que é proibido: proibir
- Mulher inteligente: minha esposa Laura
- Um luxo: me vestir bem
- Um lixo: ver as pessoas mal vestidas e tatuadas
- Cidade: Juiz de Fora e Belo Horizonte. Uma me criou, outra me fiz como profissional
- Maior alegria: nascimento dos netos
-- Juventude: fantástica, era freqüentador dos ensaios da Feliz Lembrança
- O que te dá prazer: conversar com os amigos em uma boa mesa
- Paixão esportiva: Sport, em Juiz de Fora, Fluminense, no Rio, e Atlético, em Belo Horizonte
- Se não fosse jurista... não sei se teria outra profissão
- Virtude favorita: lealdade
- Idéia de felicidade: ter uma família bem estruturada
- Livro essencial: Código Civil e romances de Eça de Queiroz e Machado de Assis
- Prato: arroz com feijão
- Sobremesa: queijo com goiabada